Para semear sonhos é preciso "tocar"...

"... a minha arte é 'tocar' as pessoas. 'Tocar' pela palavra, gesto, afeto, expressão, olhar, movimentos, etc.,nos seus pontos sensíveis, adormecidos, cristalizados, encantados. Eu consigo 'tocar' quando fui ou estou sendo 'tocado' por essa mesma pessoa."
Abel Guedes

terça-feira, 25 de outubro de 2011

A princesa que tudo via.

Será que você pode ver tão bem quanto esta princesa?

A Princesa que tudo via
Era uma vez uma princesa que conseguia tudo o que queria. É que, no alto da torre mais antiga de seu palácio, havia uma sala circundada por doze janelas mágicas. Através delas, a princesa podia ver qualquer coisa que se passasse no seu reino e até mesmos nos reinos de além-mar. Bastava pensar no que queria ver e olhar por uma das janelas; se a primeira delas não lhe mostrasse nada é porque o que procurava estava muito longe ou muito bem escondido. Mas logo na segunda ou na terceira janela aparecia a imagem desejada. As janelas revelavam desde as alturas inatingíveis das nuvens às profundezas da terra e do mar. Nada escapava á princesa: ninguém saia do seu reino sem que ela soubesse, nenhum inimigo se aproximava sem que ela estivesse prevenida. Assim, era natural que seu poder se tornasse cada vez maior e que muitos príncipes pretendessem se casar com ela.
A princesa, todavia, não encontrava nenhum pretendente à sua altura. É bom dizer que, com tanto poder, ela se tornara um pouco arrogante, cheia de si. Decidiu, então, lançar um desafio: aquele que conseguisse se esconder dela, pelo menos uma vez, se tornaria o seu príncipe consorte.
Os príncipes e outros nobres foram os primeiros a se apresentar. A princesa dava a todos eles três chances. A cada dia podiam tentar um esconderijo diferente. Somente no final do dia, ao pôr-do-sol, a princesa subia à torre e consultava suas janelas.
Um dos príncipes pretendentes ouvira falar que “nada mais escondido que agulha no palheiro”, e, seguindo à risca a idéia, entrou num paiol de milho e cobriu-se de palha de tal maneira que nem mesmo as galinhas que ali vierem ciscar deram pela sua presença. Mas bastou a princesa olhar pela primeira janela e ele foi descoberto.
O príncipe não se deu por vencido: no dia seguinte, mandou que seus servos cavassem no sono um túnel profundo, onde ele ficou bem escondido, coberto de pedras. E já quase ia se sufocando quando a princesa, no fim da tarde, olhou pelas suas janelas e mandou buscar.
Como ultima tentativa, o príncipe tomou um navio e navegou para uma ilha distante. A princesa olhou pela primeira janela e nada viu; olhou pela segunda e nem precisou chegar à terceira para mandar um emissário dizer ao infeliz pretendente que suas chances estavam esgotadas.
E depois dos nobres vieram os plebeus. Cada um inventava um esconderijo mais extravagante, porém poucas vezes a princesa precisou chegar à segunda janela para descobri-lo. Um a um os pretendentes foram sendo dispensados.
Um dia, um jovem e bravo soldado que voltava de uma guerra num país distante, ouviu falar da princesa. Atraído pelo desafio, decidiu ir até o palácio e tentar sua sorte.
No meio do caminho, deparou-se o soldado com um carneirinho que balia desesperado, preso nos arames farpados de uma cera. O rapaz desembaraçou-o com cuidado. Vendo-se livre, o agradecido animal assim lhe falou:
- Eu sou o príncipe dos carneiros. Meu pai, o rei, gostará de recompensá-lo. Pegue esse punhado de lã e, quando precisar de mim,esfregue-o,chamando-me.
O soldado ficou maravilhado com o que ouviu, guardou a lã e seguiu em frente. Logo adiante, encontrou uma águia que tentava se livrar de uma armadilha. Cuidadosamente ele a soltou e ouvi dela o seguinte:
- Eu sou a rainha das águias e você me salvou. Se um dia precisar de ajuda, esfregue esta pena e chame por mim.
O jovem agradeceu o presente e continuou seu caminho. Logo antes de chegar ao palácio, sua atenção foi atraída por uma formiga que se debatia numa poça d’água. Salvando o bichinho de morrer afogado, mais uma vez ele ouviu:
- Eu sou a rainha das formigas. Guarde esta folha e, se precisar de algo, esfregue-a e chame por mim.
O soldado guardou também a folha com cuidado, logo chegou ao palácio e pediu para ser apresentado à princesa. No dia seguinte, começou a procurar um lugar para se esconder, porém todos os esconderijos lhe pareciam óbvios. Lembrou-se então do carneirinho. Esfregou o punhado de lã e pediu ajuda para esconder-se.
Na mesma hora apareceu um rebanho de carneiros. O próprio soldado, maravilhado, viu-se transformado em carneiro e misturado ao grupo.
Ao pôr-do-sol a princesa subiu à torre. Olhou pela primeira janela e nada viu. A segunda janela, porém, mostrou-lhe o carneiro e a princesa soube que era ele o pretendente. Na manha seguinte, retomando a forma humana, o soldado se apresentou à princesa, que lhe disse:
- Entre os carneiros, tu eras o que ficava junto ao pequenino.
O rapaz reconhecendo que fora descoberto, saiu do palácio, dirigiu-se à orla da floresta, esfregando a pena mágica, chamou pela águia.
Imediatamente a rainha das águias apareceu e transportou-o pelos ares. Levou-o até a mais escarpada das montanhas, transformou-o num ovo e misturou-o aos demais ovos de seu ninho. Depois, ajeito-se por cima deles, cobrindo-os todos e dali não saiu o dia inteiro.
Naquela tarde, quando a princesa consultou a primeira janela, nada pôde descobrir; e nem na segunda, mais a terceira mostrou-lhe o ninho. No dia seguinte, o soldado, apresentou-se a ela, ouviu:
- Entre todos os ovos da águia, tu eras o que ficava mais no centro.
Vencido mais uma vez, o jovem saiu do palácio, procurou um lugar isolado e, esfregando a folha, sua última esperança. Chamou pela rainha das formigas.
- Desta vez – disse ele, depois de lhe contar sua história -, você tem de pensar num esconderijo muito, muito especial. Nada escapa aos olhos da princesa!
- Nada? – duvidou a formiga. – Pois eu sei de algo que ela não vê!
E, transformando o rapaz numa formiguinha, levou-o até os aposentos da princesa.
- Dê um jeito de esconder-se dentro do vestido – aconselhou a formiga. E desapareceu.
O soldado, agora formiga, observou bem a princesa e suas sete pesadas saias. E achou melhor subir pelo vestido dela e escorregar pelo decote. E ali, dentro do corpete da princesa, ele ficou quietinho, esperando o dia passar.
Quando a tarde chegou, a princesa subiu à torre. Olhou pela primeira janela e nada pode vislumbrar, olhou pela segunda e também nada viu. Tampouco a terceira mostrou-lhe alguma coisa e a princesa, já inquieta, passou à quarta janela. E assim foi, de janela em janela, até chegar à décima segunda. Entretanto, por mais que olhasse, ela não conseguia enxergar o que queria.
A noite toda ela passou a consultar as janelas. Em vão. Quando os primeiros raios de sol iluminaram a torre, a princesa, irritada, gritou:
- Desisto! Pode aparecer, que eu me caso com você!
O rapaz saiu, então, de dentro do vestido dela, desceu ao chão, e retomando sua forma humana, confessou à princesa seu esconderijo.
A princesa quis brigar, mas acabou rindo, divertida com a história. O casamento foi realizado naquele mesmo dia e os dois foram sempre, sempre felizes.

Já dizia o Pequeno Príncipe: "Só se vê bem com o coração." "O essencial é invisível aos olhos"

sexta-feira, 21 de outubro de 2011

O Alfaiate Desatento.

Sempre fui um pouco desatenta...
Para algumas coisas mais e outras menos...
Com o tempo fui criando recursos para me ajudar a me organizar e ter mais atenção...
Mas hoje tenho mais consciência dos meus pontos fracos e fortes. E por escolha minha ou meu jeito mesmo, deixo de prestar atenção em algumas coisas para tentar ter uma vida mais positiva, com esperança e alegria.

No entanto, ontem, quando ouvi esta história senti-me incomodada, pois reconheci o alfaiate em mim e fiquei na dúvida se a parte negativa dele em persistir no erro ou desatenção era mais forte para mim ou a parte positiva de ser criativo, se reinventar e focar mais em seu interior.

Hoje me sinto bem... Reli a história algumas vezes e vejo nela um importante ensinamento, como todas as histórias de tradição oral, que são para mim histórias que mostram sabedoria...

Descubra qual a mensagem desta história para você!!!
Abra seu coração!
E boa história!


O Alfaiate Desatento

Era uma vez, a menos de mil quilômetros daqui, um alfaiate viúvo que vivia com a filha pequena... Apesar de ser um ótimo artesão, era uma pessoa que não prestava atenção em algumas coisas.

Assim, costumava sair à rua com a mesma roupa velha, todas esfarrapadas, que usava o dia in¬teiro dentro de casa.

As pessoas comentavam: "Um homem que anda tão mal vestido, não pode ser um profissional competente. Esse alfaiate não deve ser bom".

Os comentários se espalhavam, e ninguém mais encomendava roupas para o alfaiate, que foi ficando pobre. Um dia, sua filha disse: "Pai, não temos quase nada para comer. O senhor precisa fazer alguma coisa, senão vamos morrer de fome".

O alfaiate foi até' o sótão da casa, onde fazia muito tempo guardava coisas que considerava sem utilidade. Ao remexer nas pilhas empoeiradas, descobriu que entre elas havia objetos de valor. Ele nem se lembrava mais quando os tinha posto ali, nem por quê. Juntou uma porção desses objetos num carrinho e foi vendê-los no mercado da cidade. Com o dinheiro que recebeu, comprou comidas deliciosas para ele e para sua filha.

No caminho de volta para casa ele viu, pendurado na porta de uma tenda, um tecido magnífico, como nunca ti¬nha visto. Era inteiro bordado com fios de todas as cores do arco-íris, formando várias figuras distintas. Nele também havia padrões ornamentais com fios de ouro e prata entrelaçados que brilhavam à luz do sol. O alfaiate, maravilhado, resolveu comprar aquele tecido com o dinheiro que havia sobrado.
Assim que chegou em casa, esticou o tecido sobre a mesa,
pensou um pouco, e depois cortou e costurou um belíssimo manto que quase arrastava no chão

Quando saiu à rua com aquele manto, as pessoas o rodearam e perguntaram:

- Onde foi que você comprou este manto? No Orien¬te, na ilha de J ava?
- Não - respondeu o alfaiate. - Eu mesmo o fiz.
- Então, nós também queremos um manto lindo como este.

E foram levar tecidos para ele, formando uma fila à porta de sua casa. Eram tantas pessoas, e tantos mantos eles fez, que acabou ficando rico.
Mas ele era uma pessoa que não prestava atenção em algumas coisas. Ele não tirava seu manto: costurava com ele, fazia comida, cuidava do jardim.

Passou-se muito, muito tempo. O manto ficou velho e estragado. As pessoas, vendo-o tão mal vestido na rua, começaram a achar que ele não devia ser um bom profis¬sional. E deixaram de fazer encomendas. E ele ficou pobre outra vez.

Certo dia, não tendo nada para fazer, o alfaiate ficou observando o manto e descobriu que ainda havia um pedaço do tecido que não estava estragado. Pôs o manto sobre a mesa, cortou as partes rasgadas, desmanchou as cos¬turas, pensou um pouco e fez um lindo casaco, com uma gola enorme.

Quando saiu com o casaco, as pessoas queriam saber: - Onde foi que você comprou este casaco? Na Aus¬trália, no pólo norte?

- Não, eu mesmo o fiz.

E foram tantas encomendas de casacos, que o alfaiate ficou rico outra vez.
Mas continuava sendo aquele homem que não prestava atenção em algumas coisas. A qualquer tipo de comemo¬ração - casamento, batizado, enterro, festa de aniversário - lá ia ele com o casaco.

Passou-se muito, muito tempo. E o casaco ficou todo esburacado, cheio de manchas. Ninguém mais fazia en¬comendas. Ele ficou pobre. Percebendo que o casaco ainda tinha um pedaço bom de tecido, o alfaiate o desmanchou e fez um colete tão lindo que todos na rua lhe perguntavam:

- Onde foi que você comprou este colete? No Afe¬ganistão? Na Terra do Fogo?
- Não, eu mesmo o fiz.

E com tantas encomendas de coletes, o alfaiate ficou rico. Mas, não sei se já lhes contei, ele era uma pessoa que não prestava atenção em algumas coisas. Não tirava o colete para nada, nem mesmo para tomar banho.

Passou-se muito, muito tempo. E o colete ficou em petição de miséria. Pobre mais uma vez, o alfaiate aproveitou o pequeno pedaço de tecido do colete que ainda estava per¬feito e sabem o que ele fez? Uma gravata-borboleta. Mas não era uma gravata qualquer. Era tão linda e brilhava tanto, que todos queriam gravatas como aquela.

Depois de muito trabalhar, ele acabou ficando rico. E não deixava de ser aquela pessoa que Não P... A... em A ... Coisas. Nem para dormir ele tirava a gravata.
Passou-se muito, muito tempo. E a gravata ficou torta, ensebada, irreconhecível. O alfaiate ficou pobre ourtra vez, já que ninguém mais lhe fez encomendas.

(Não se preocupem, o conto já está chegando ao fim.)

O alfaiate ainda descobriu na gravata um pedacinho de tecido que podia servir para alguma coisa. E então fez um superutrabelíssimo botão, bem redondo, que costurou na sua roupa velha, no meio do peito. Ninguém notava os farrapos que ele vestia; o botão era tão brilhante e magnífico que todos queriam botões como aquele. E tantos ele fez, que ficou rico.
Mas continuava sendo aquela pessoa que N Prestava A em A C. Por muito, muito tempo. E ele foi pobre.
Desmanchou o botão e ainda sobrou um pedacinho de tecido bem pequenininho, que conservava intactos alguns padrões de fios dourados e prateados, entremeados com to¬das as cores do arco-íris, que brilhavam intensamente.

O que o alfaiate fez com aquele pedaço minúsculo que sobrou do magnífico
tecido?

Pois o contador de histórias que narrou este conto para mim disse que cada um de nós é que tinha que inventar no que o alfaiate transformou aquele paninho precioso, porque esta é uma história que continua com cada um.
Existem muitas formas de contar a história desse alfaiate.
É por causa dele e do seu botão que este conto sempre foi ¬lembrado e continuará sendo contado para sempre, noite e dia, em qualquer lugar do mundo onde haja gente.
Porque sempre vão existir pessoas que não prestam atenção em algumas coisas.
E sempre vão existir coisas que guardam seu brilho num lugar cada vez menor e mais profundo.

segunda-feira, 10 de outubro de 2011

O Cego e o Caçador.

Esta história além de tocar nosso coração e de uma sabedoria imensa...
Aproveitem! Deixem-se tocar...


O Cego e o Caçador

Era uma vez um homem cego que morava numa palhoça, com sua irmã, numa aldeia na orla da Floresta.
Esse homem era muito inteligente. Apesar de seus olhos não enxergarem nada, ele parecia saber mais sobre o mundo do que as pessoas cujos olhos viam tudo. Costumava sentar-se à porta de sua palhoça e conversar com quem passava.
Quando alguém tinha problemas, perguntava-lhe o que fazer e ele sempre dava um bom conselho. Quando alguém queria saber alguma coisa, ele dizia, e suas respostas eram sempre corretas.
As pessoas balançavam a cabeça, admiradas: - Como é que você consegue saber tanta coisa, sem enxergar?
E o cego sorria, dizendo: - É que eu enxergo com os ouvidos.
Bem, um dia a irmã do cego se apaixonou. Ela se apaixonou por um caçador de outra aldeia. E logo o caçador se casou com a irmã do cego.
Depois da festa de casamento, o caçador foi morar na palhoça, com a esposa. Mas o caçador não tinha paciência com o irmão da mulher, não Tinha nenhuma paciência com o cego.
- Para que serve um homem cego? - ele dizia.
E a mulher respondia: - Ora, marido, ele sabe mais coisas do mundo do que as pessoas que enxergam.
O caçador ria: - Ha, ha, ha, o que pode saber um cego, que vive na escuridão? Ha, ha, ha...
Todos os dias, o caçador ia para a floresta com seus alçapões, lanças e flechas.
E todas as tardes, quando o caçador voltava à aldeia, o cego dizia: - Por favor, amanhã deixe-me ir com você caçar na floresta.
Mas o caçador balançava a cabeça: - Para que serve um homem cego?
Dias, semanas e meses se passavam, e todas as tardes o homem cego pedia: - Por favor, amanhã deixe-me caçar também. E todas as tardes o caçador dizia que não.
Uma tarde, porém, o caçador chegou de bom humor. Tinha trazido para casa uma bela caça, uma gazela bem gorda.
Sua mulher temperou e assou a carne e, quando eles acabaram de comer, o caçador disse ao homem cego: - Pois bem, amanhã você vai caçar comigo.
Assim, na manhã seguinte os dois foram juntos para a floresta, o caçador carregando seus alçapões, lanças e flechas, e conduzindo o cego pela mão, por entre as árvores.
Andaram horas e horas. Então, de repente, o cego parou e puxou a mão do caçador: - Psss, um leão! O caçador olhou ao redor e não viu nada. - É um leão, sim, mas está tudo bem. Ele não está faminto e está dormindo profundamente. Não vai nos fazer mal.
Continuaram seu caminho e, de fato, encontraram um leão dormindo a sono solto, debaixo de uma árvore. Depois que passaram pelo animal, o caçador perguntou: - Como você sabia do leão? - É que eu enxergo com os ouvidos.
Andaram por mais quatro horas, e então o cego puxou de novo a mão do caçador: - Psss, um elefante! O caçador olhou ao redor e não viu nada. - É um elefante, sim, mas tudo bem. Ele está dentro de uma poça d'água e não vai nos fazer mal. Continuaram seu caminho e, de fato, encontraram um elefante imenso, chapinhando numa poça d'água, esguichando lama nas próprias costas.
Depois que passaram pelo animal, o caçador perguntou: - Como você sabia do elefante? - É que eu enxergo com os ouvidos.
Continuaram seu caminho, se aprofundando cada vez mais na floresta, até chegarem a uma clareira.
O caçador disse: - Vamos deixar nossos alçapões aqui.
Quando os dois alçapões estavam armados, o caçador disse: - Amanhã vamos voltar para ver o que pegamos. E os dois voltaram juntos para a aldeia.
Na manhã seguinte, acordaram cedo. Mais uma vez, foram andando pela floresta.
O caçador se ofereceu para segurar a mão do cego, mas o cego disse: - Não, agora já conheço o caminho.
Dessa vez, o homem cego foi andando na frente. Não tropeçou em nenhuma raiz nem toco de árvore. Não errou o caminho nem uma vez.
Andaram, andaram, até chegarem à clareira em que tinham armado os alçapões.
De longe, o caçador viu que havia um pássaro preso em cada alçapão. De longe, viu que o pássaro preso em seu alçapão era pequeno e cinzento e que o pássaro preso no alçapão do cego era lindo, com penas verdes, vermelhas e douradas.
- Sente-se ali - ele disse. - Cada um de nós apanhou um pássaro. Vou tirá-los dos alçapões. O cego sentou-se e o caçador foi até os alçapões, pensando: - Um homem que não enxerga nunca vai perceber a diferença. E o que foi que ele fez? Deu ao cego o pequeno pássaro cinzento e ficou com o lindo pássaro de penas verdes, vermelhas e douradas.
O cego pegou o pássaro cinzento nas mãos, levantou-se e os dois rumaram de volta para casa.
Andaram, andaram, e a certa altura o caçador disse: - Já que você é tão inteligente e enxerga com os ouvidos, responda uma coisa: por que há tanta desavença, ódio e guerra neste mundo?
O cego respondeu: - Porque este mundo está cheio de gente como você, que pega o que não é seu. O caçador se encheu de vergonha.
Pegou o pássaro cinzento da mão do cego e deu-lhe o pássaro lindo, de penas verdes, vermelhas e douradas.
- Desculpe - ele disse. Os dois continuaram andando, e a certa altura o caçador disse:
- Já que você é tão inteligente e enxerga com os ouvidos, responda uma coisa: por que há tanto amor, bondade e conciliação neste mundo?
O cego respondeu: - Porque este mundo está cheio de gente como você, que aprende com seus próprios erros.
Os dois continuaram andando, até chegarem à aldeia.
E, a partir daquele dia, quando alguém perguntava ao cego: - Como é que você consegue saber tanta coisa, sem enxergar? Era o caçador que respondia: - É que ele enxerga com os ouvidos... e ouve com o coração.






Hugh Lupton
África Ocidental
Do livro Histórias de Sabedoria e Encantamento
Editora Martins Fontes

O pote vazio.

Estou me aperfeiçoando na arte de contar histórias, pois para mim ao se contar histórias podemos tocar o coração das pessoas. Sendo assim, contar é um ato de amor e ao ouvir uma história deixamos a janela do nosso coração aberta, pronta para receber um lindo presente...

E hoje compartilho com vocês esta história... O Pote Vazio.


"Há muito tempo, na China, vivia um menino chamado Ping, que adorava flores. Tudo o que ele plantava florescia maravilhosamente. Flores, arbustos e até imensas árvores frutíferas desabrochavam como por encanto.Todos os habitantes do reino também adoravam flores. Eles plantavam flores por toda a parte e o ar do país inteiro era perfumado.O imperador gostava muito de pássaros e outros animais, mas o que ele mais apreciava eram as flores. Todos os dias ele cuidava de seu próprio jardim.Acontece que o imperador estava muito velho e precisava escolher um sucessor.Quem podia herdar seu trono? Como fazer essa escolha?Já que gostava muito de flores, o imperador resolver deixar as flores escolherem.No dia seguinte, ele mandou anunciar que todas as crianças do reino deveriam comparecer ao palácio. Cada uma delas receberia do imperador uma semente especial. – Quem provar que fez o melhor possível dentro de um ano – ele declarou – será meu sucessor.A notícia provocou muita agitação. Crianças do país inteiro dirigiram-se ao palácio para pegar suas sementes de flores.Cada um dos pais queria que seu filho fosse escolhido para ser o imperador, e cada uma das crianças tinha a mesma esperança.Ping recebeu sua semente do imperador e ficou felicíssimo. Tinha certeza de que seria capaz de cultivar a flor mais bonita de todas.Ping encheu o vaso com terra de boa qualidade e plantou a semente com muito cuidado.Todos os dias ele regava o vaso. Mal podia esperar o broto surgir, crescer e depois dar uma linda flor.Os dias se passaram, mas nada crescia no vaso. Ping começou a ficar preocupado. Pôs terra nova e melhor num vaso maior. Depois transplantou a semente para aquela terra escuta e fértil. Esperou mais dois meses e nada aconteceu. Assim se passou o ano inteiro.Chegou a primavera e todas as crianças vestiram suas melhores roupas para irem cumprimentar o imperador. Então correram ao palácio com suas lindas flores, ansiosas por serem escolhidas.Ping estava com vergonha de seu vaso sem flor. Achou que as outras crianças zombariam dele por que pela primeira vez na vida não tinha conseguido cultivar uma flor.Seu amigo apareceu correndo, trazendo uma planta enorme:- Ping, disse ele, você vai mesmo se apresentar ao imperador levando um vaso sem flor? Por que não cultivou uma flor bem grande como a minha?- Eu já cultivei muitas flores melhores do que a sua, disse Ping.- Foi essa semente que não deu nada.O pai de Ping ouviu a conversa e disse:- Você fez o melhor que pôde, e o possível deve ser apresentado ao imperador.Ping dirigiu-se ao palácio levando o vaso sem flor.O imperador estava examinando as flores vagarosamente, uma por uma. Como eram bonitas! Mas o imperador estava muito sério e não dizia uma palavra.Finalmente chegou a vez de Ping. O menino estava envergonhado, esperando um castigo. O imperador perguntou:- Por que você trouxe um vaso sem flor?Ping começou a chorar e respondeu:- Eu plantei a semente que o senhor me deu e a reguei todos os dias, mas ela não brotou. Eu a coloquei num vaso maior com terra melhor, e mesmo assim ela não brotou. Eu cuidei dela o ano todo, mas não deu nada. Por isso hoje eu trouxe um pote vazio. Foi o melhor que eu pude fazer.Quando o imperador ouviu essas palavras, um sorriso foi se abrindo em seu rosto e ele abraçou Ping. Então ele declarou para todos ouvirem:- Encontrei! Encontrei alguém que merece ser imperador!- Não sei onde vocês conseguiram essas sementes, pois as que eu lhes dei estavam todas queimadas. Nenhuma delas poderia ter brotado. Admiro a coragem de Ping, que apareceu diante de mim trazendo a pura verdade. Vou recompensá-lo e torná-lo imperador deste país."

(extraído do livro O Pote Vazio – Demi, Editora Martins Fontes)